louco

Bom dia.  Meu nome é Patrícia.  Eu sou médica psiquiátrica. Em que posso lhe ajudar?

Boa pergunta.  Respondi numa fração de segundo, mais por desânimo do que por qualquer tipo de afronta. Juro.

Doutora Patrícia rapidamente se recompôs da surpresa pela resposta e prosseguiu com as perguntas do roteiro.  Não precisou mais de dez minutos para ela demonstrar sua utilidade.  A partir daquele momento eu estava oficialmente engrossando as estatísticas dos depressivos.  Tinha direito a receita de um remédio e a recomendação de fazer terapia.

Recomendo que não use os genéricos porque realmente faz diferença, explicou a médica. Então ela me receitou três marcas diferentes, mas que compartilhavam do princípio ativo.  A diferença disso para um genérico seria uma coisa que eu realmente gostaria de perguntar, mas a doutora tinha acabado de detectar minha irritabilidade - daí o diagnóstico flash de depressão - e eu corria o risco de receber uma dose mais pesada na receita por conta de parecer ainda mais intransigente. Estar ali já era um insignificante passo para a humanidade, porém um enorme passo para mim; disposição para tomar remédio, então, nem se fala. Portanto, mais uma vez relevei.

Quais são os efeitos? Perguntei quase que morimbundamente, como quem está prestes a saber qual vai ser o método da sua sentenciada execução.  

Varia de paciente para paciente. Tem quem vomita, quem fica tonto; tem quem não sente nada.  Você toma meia pílula na primeira semana, tá bom?  

Afeta a libido?

Olha, tem os três casos.  Há quem diga que diminuiu, há quem diga que aumentou e há quem diga que não notou nenhuma diferença. Ainda existe loteria esportiva?  Não pude evitar o pensamento.  É involuntário.  Consegui, ao menos, evitar de externá-lo, o que já é uma enorme vitória.  Quem sabe, com a medicação, eu passe a ter não pensamento algum? Assim…nada que afete a minha inserção na sociedade produtiva?

Perguntei sobre libido porque foi o único alerta que a primeira psiquiatra que consultei fez: o remédio que ela me receitava diminuia a libido.  Isso foi há exatos treze anos, quando eu trabalhava no gabinete da deputada Luiza Erundina.  

Há quem goste da Câmara, do Congresso e do caralho, mas eu lhe digo: aquilo é uma máquina de moer gente.  Não é para fracóides como eu.  Como um bando de gente, pelo visto, pois a psiquiatria era simplesmente a especialidade mais procurada no ambulatório da Câmara.  Era muito doido para poucos médicos.  Eu já tinha até esquecido de ter marcado a consulta quando me ligaram avisando da data, do tanto que demorei para ser chamado.

O remédio era muito caro.  Lembro que custava exatos cem reais, naqueles dias em que você enchia um carrinho de compras em um supermercado com essa grana.  Cheguei a comprar uma caixinha mas nunca tomei.  Tomei mesmo foi o rumo da rua e nunca mais coloquei os pés na Câmara dos Deputados. Era o melhor remédio.

Pensei em tudo isso enquanto Doutora Patrícia concluía seu argumento sobre o remédio genérico que, na real, nem era tão mais barato.  

 Voltei hoje para a chamada consulta de retorno.  Bom dia.  Meu nome é Patrícia.  Eu sou médica psiquiátrica. Em que posso lhe ajudar?

Eu não sei de nada, só sei que foi assim. Juro por Deus.